domingo, 27 de abril de 2014
Tá vendo aquele edifício, moço? Ajudei a levantar. Foi um tempo de aflição, era quatro condução: duas pra ir, duas pra voltar. Hoje, depois dele pronto, olho pra cima e fico tonto, mas me vem um cidadão e me diz desconfiado: “Tu tá aí admirado ou tá querendo roubar?” Meu domingo tá perdido, vou pra casa entristecido, dá vontade de beber. E pra aumentar meu tédio, eu nem posso olhar pro prédio que eu ajudei a fazer. Ta vendo aquele colégio, moço? Eu também trabalhei lá. Lá eu quase me arrebento. Fiz a massa, pus cimento, ajudei a rebocar. Minha filha, inocente, veio pra mim, toda contente: “Pai, vou me matricular!”. Mas me diz uma cidadão: “Criança de pé no chão, aqui não pode estudar.” Essa dor doeu mais forte. Porque que é qu’eu deixei o norte? Eu me pus a me dizer. Lá a seca castigava, mas o pouco que eu plantava, tinha direito a colher. Tá vendo aquela igreja, moço? Onde o padre diz “amém”. Pus o sino e o badalo, enchi minha mão de calo. Lá eu trabalhei também. Lá foi que valeu a pena! Tem quermesse, tem novena e o padre me deixa entrar. Foi lá que Cristo me disse: ‘Rapaz deixe de tolice, não se deixe amedrontar! Fui eu quem criou a terra. Enchi o rio, fiz a serra, não deixei nada faltar. Hoje o homem criou asas, e na maiorias das casas, eu também não posso entrar. Zé Ramalho
É nessas horas que eu chego a ter pena de mim. Juro. Basta um papel e uma caneta pra tudo começar outra vez. Você vem repentino, devagar e sorrateiro, até estar impregnado novamente nas minhas memórias. Não me julgo uma pessoa plenamente boa, mas sei que não mereço isso. Não é justo. Foi-se o tempo em que eu abrigava a dor na minha casa como uma convidada especial. Confesso que já sofri tudo o que tinha pra sofrer, assim como derramei todas as lágrimas que podia chorar. Toda e qualquer pequena e frágil parte do meu corpo sentiu, pelo menos uma vez, o mundo se esmagar contra a parede da solidão. Não quero tirar a sua dignidade ou menosprezar a parte da minha vida que compartilhei ao seu lado – jamais! O problema é que eu cansei de me rebaixar e matar o meu amor próprio por você. Nenhum ser humano deveria sofrer como eu sofri. E, meu Deus, como foi difícil! Aceitar é horrível, esquecer é doloroso e superar machuca mais que tudo. Pra falar a verdade, a última etapa eu nunca cumpri. Meus vizinhos acham que estou curada, meus amigos pensam que pulei de fase, mas quando a noite chega e tudo parece doer ainda mais, tomando uma proporção ainda maior, eu percebo que não superei. Queria fingir que não é nada, logo passa, as coisas voltarão a ser o que sempre foram, mas não dá. Eu não sou mais a mesma há tempos e disso não tem como fugir. O passado não condena, mas assombra. Você que, por mais que tenha morrido incontáveis vezes aqui dentro, ainda está vivo e arrancando brilhos de olhares carentes aí fora. Eu já te matei com todas as armas possíveis, de todos os métodos imagináveis, mas você cisma em reviver todas as vezes que a minha cabeça deita no travesseiro e as minhas mãos alcançam um papel em branco. E por mais que eu lute, estrofes e mais estrofes são, inevitavelmente, direcionadas ao que fomos. A verdade é dura, meio difícil de aceitar e ridícula de dizer: ainda tenho mil textos não escritos pra você.
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