Ele me deu um pé na bunda. E doeu. Fiquei sem
entender direito o motivo. Tudo parecia bem. A gente parecia bem. O
mundo parecia um lugar bonito e seguro. Eu parecia bonita e segura. E de
repente as coisas mudaram. Ficou um vazio grande no lugar dele. Ficou
uma sensação de perda dentro de mim. Na hora em que o calo aperta e o
coração quase derrete não adianta falar de tempo. Enfia o tempo no bolso
e sai daqui! Não quero saber se o tempo cura, não quero ouvir que ele é
o melhor remédio para todos os males. Não quero sair, não quero
conhecer gente nova, não quero achar novo amor. Aproveita e enfia o novo
amor no bolso também. Eu quero é ele. Ele, ele, ele. É que não tem
ninguém igual. É que não vai ter sentimento igual. É que não vai ter
outra pessoa que seja assim, tão única, tão perfeita, tão, tão…sabe? Não
vai ter, eu sei. Eu sei e todo mundo sabe, não sei por qual motivo,
razão ou circunstância ficam me enrolando e tentando me passar a perna
com esse lance de o-que-é-seu-tá-guardado. Tenho certeza que ele é a
minha alma gêmea. Eu nunca acreditei nisso. Até conhecer aquele homem.
Meu Deus, ele é a metade da minha laranja. Por ele eu mataria e
morreria. Por ele eu seria sempre melhor. Por ele eu seria até capaz de
virar Amélia, a mulher de verdade. Por ele. Ele, que fez com que eu
entendesse o amor. Ah, o amor. Aquele cretino. Aquele safado. Aquele
ordinário. Aquele sem vergonha que faz a gente entregar o coração e
acabar de mãos abanando e sangrando. Nunca mais vou amar ninguém. Não
quero. Não vou. E não adianta você voltar com aquela história do tempo. E
não adianta querer me levar pra sair, pra conhecer gente, pra esfriar a
cabeça. Não quero saber de toda aquela baboseira de cortar o cabelo,
renovar o guarda-roupa, começar a malhar, frequentar novos lugares,
mudar velhos hábitos, incrementar o dia a dia. Não quero saber de tudo
aquilo que as mulheres fazem para tentar achar A Cura. Não quero me
curar. Quero beber todo dia uma vodca barata. Ou cara, depende do dia do
mês. Quero beber e ficar sozinha. Prometo que não vou encher os ouvidos
das amigas, das colegas de trabalho, dos amigos gays, da vizinha do
andar de cima, da minha mãe. Prometo que nem vou buzinar nos ouvidos do
terapeuta. Juro que me comporto. Fico eu, o pouco de sanidade que resta,
o copo sempre cheio de vodca, algumas lágrimas e um punhado de
recordações. Quero isso. Quero a depressão. Quero a fossa. Quero me
acabar. Quero ficar arrasada para sempre. Quero ficar pensando nele o
dia todo. Recordando cada momento que passamos juntos. Não quero saber
de me entupir de chocolate e carboidratos. Vou fazer greve de fome até
morrer. E antes vou deixar um bilhete: morri, seu idiota. Morri. Acho
que agora estou entrando naquela fase da raiva. Aquela em que a gente
imagina o cara de terno e gravata fazendo cocô. Aquela em que a gente
começa a pegar nojinho. Aquela em que a gente usa todos os palavrões
para definir o infeliz. Aquela em que a gente sai da fase da música de
corno para cantar bem alto “I’m Every Woman” de braços abertos,
abraçando o infinito, até ficar rouca e louca. Guardei as fotos em uma
caixa e escondi ela no fundo do armário. Melhor deixar longe. Melhor não
ver. Melhor parar de fuçar no Facebook. Melhor deixar de seguir no
Twitter. Melhor deletar o telefone do meu celular. Melhor não dar uma
espiada na vida da ex. Não quero mais saber o que ele come, se sente
frio, se reatou com a antiga namorada, se continua lindo de morrer, se
acabou comprando aquele tênis que eu disse que combinava com ele. Não
quero saber nada disso. Quero virar autista e fingir que ele nunca
existiu. Assim sofro menos. Assim vivo mais. Hoje eu reparei que as
olheiras diminuíram. E que deixei de chorar. Me achei mais corada. Menos
pálida. Mais bonita. Uma beleza melancólica. Tem um pouco de tristeza
nos meus olhos. Mas vou me maquiar. Senti vontade de me arrumar. Pra
mim. Para meu espelho. Pra me animar. Uma amiga me convidou pra um happy
hour. Vou. Uns caras me olharam, me senti mais mulher, me senti bem.
Quase não lembrei dele. Estou trabalhando bastante. É bom ocupar a
cabeça. Parei um pouco de beber. Arrumei minhas gavetas. Joguei umas
coisas fora. Decidi limpar as coisas por aqui. Acendi um incenso. Dancei
sozinha na sala. Ri. Fui na padaria. Comprei pão francês e queijo
cottage. Decidi dar uma volta no Ibirapuera. O dia está tão lindo.
Encontrei uma velha conhecida. Conversamos. Marcamos um sushi para o dia
seguinte. Fui jantar com a velha conhecida. Me diverti. Voltei pra
casa, assisti um filme bobo, lembrei dele, chorei, sequei as lágrimas e
me perguntei: por que estou chorando? Entrei no Facebook e vi uma foto
dele com uma mulher peituda. Chorei mais. Dormi chateada e pensei
isso-nunca-vai-passar. Comecei a caminhar todos os dias pela manhã. É
melhor, vou para o trabalho com mais ânimo. Um cara bem interessante
caminha por lá também. Não usa aliança, está sempre sozinho, ouvindo
música e com o olhar longe. Parece eu. Me distraí. Esbarrei no cara. Ele
se desculpou e sorriu. Nossa, que sorriso bem lindo. Senti uma coisinha
no peito. Sorri de volta e segui andando. Na outra volta encontrei ele
de novo, que sorriu mais uma vez. Para, que vou morrer aqui. Na outra
volta eu já estava cansada, mas ansiosa por aquele sorriso. Ele sorriu.
Me derreti. Parecia uma abobada. Voltei pra casa. No outro dia acordei
feliz da vida, o cara sorridente ia estar lá de novo. E estava. E
sorriu. E sorri. E ficamos nessa por uma semana. Até que ele pediu meu
telefone, eu dei e ele me ligou. Quer ir ao teatro comigo? Quero.
Enquanto eu me arrumava ele me ligou. Ele, que me deu um pé na bunda.
Não atendi. Sorri. E tentei lembrar a última vez que lembrei dele. Não
consegui. Talvez eu volte a acreditar no amor de novo. Talvez eu nunca
mais sofra. Talvez. A vida é cheia de “talvez”, mas uma coisa é certa: o
tempo ajuda. E não adianta você dizer que não e tentar lutar contra
isso. Clarissa Corrêa.
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