Se era amor? Não era. Era outra coisa. Restou uma dor profunda, mas
poética. Estou cega, ou quase isso: tenho uma visão embaraçada do que
aconteceu. É algo que estimula minha autocomiseração. Uma inexistência
que machucava, mas ninguém morreu. É um velório sem defunto. Eu era
daquele homem, ele era meu, e não era amor, então era o que? Dizem que
as pessoas se apaixonam pela sensação de estar amando, e não pelo amado.
É uma possibilidade. Eu estava feliz, eu estava no compasso dos dias e
dos fatos. Eu estava plena e estava convicta. Estava tranquila e estava
sem planos. Estava bem sintonizada. E de uma dia para o outro estava
sozinha, estava antiga, escrava, pequena. Parece o final de um amor, mas
não era amor. Era algo recém-nascido em mim, ainda não batizado. E
quando acabou, foi como se todas as janelas tivessem se fechado às três
da tarde num dia de sol. Foi como se a praia ficasse vazia. Foi como um
programa de televisão que sai do ar e ninguém desliga o aparelho, fica
ali o barulho a madrugada inteira, o chiado, a falta de imagem, uma luz
incômoda no escuro. Foi como estar isolada num país asiático, onde
ninguém fala sua língua, onde ninguém o enxerga. Nunca me senti tão
desamparada no meu desconhecimento. Quem pode explicar o que me acontece
dentro? Eu tenho que responde às minhas próprias perguntas. Eu tenho
que ser serena para me aplacar minha própria demência. E tenho que ser
discreta para me receber em confiança. E tenho ser lógica para entender
minha própria confusão. Ser ao mesmo tempo o veneno e o antídoto. Se não
era amor, Lopes, era da mesma família. Pois sobrou o que sobra dos
corações abandonados. A carência. A saudade. A mágoa. Um quase
desespero, uma espécie de avião em queda que a gente sabe que vai se
estabilizar, só não sabe se vai ser antes ou depois de se chocar com o
solo. Eu bati a 200Km/h e estou voltando a pé pra casa, avariada. Eu
sei, não precisa me dizer outra vez. Era uma diversão, uma paixonite, um
jogo entre adultos. Talvez seja este o ponto. Talvez eu não seja adulta
suficiente para brincar tão longe do meu pátio, do meu quarto, das
minhas bonecas. Onde é que eu estava com a cabeça, Lopes, de acreditar
em contos de fadas, de achar que a gente manda no que sente e que
bastaria apertar o botão e as luzes apagariam e eu retornaria minha vida
satisfatória, sem sequelas, sem registro de ocorrência? Eu nunca amei
aquele cara, Lopes. Eu tenho certeza que não. Eu amei a mim mesma
naquela verdade inventada. Não era amor, era uma sorte. Não era amor,
era uma travessura. Não era amor, era sacanagem. Não era amor, eram dois
travessos. Não era amor, eram dois celulares desligados. Não era amor,
era de tarde. Não era amor, era inverno. Não era amor, era sem medo. Não
era amor, era melhor. Martha Medeiros
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