Poderíamos casar. Não chegaríamos sequer
perto do exemplo de família perfeita. Teríamos um apartamento, quem sabe
uma casa com jardim e um cão com pêlo brilhante. Improvável. Tomaríamos
café as cinco da tarde. Você reclamaria o fato de eu ligar o chuveiro
horas antes de ir para o banho. eu, por você ter arranhado meu cd de
jogo favorito. eu não admitiria o quanto você fica bonito quando bravo e
você não diria que lembra da cor do sapato que eu usei quando nos vimos
pela primeira vez. Discordaríamos quanto a cor das cortinas. Não
arrumaríamos a cama diariamente, beberíamos juntos em algum club no
final de semana. A geladeira seria repleta de congelados e coca-cola, o
armário, de porcarias. Adiaríamos o despertador umas trinta e duas vezes
só para ficarmos horas na cama enrolando e falando qualquer besteira.
você me ensinaria alguma coisa sobre futebol, e eu te convenceria a
assistir aquele filme no cinema. Sentaríamos na sala de pijama e
pantufas, você iria direto para o caderno de esportes no jornal e eu
comentaria alguma notícia qualquer. Você saberia o nome do meu perfume,
eu saberia onde você largou a última edição da revista de música.
Sairíamos pra jantar em algum dia de chuva e não nos importaríamos em
chegarmos encharcados. Dormiríamos com o computador ligado. Nos
beijaríamos no meio de alguma frase. Você pegaria no sono com a mão no
meu cabelo e eu, escutando sua respiração. Eu riria sem motivo e você
perguntaria porque, eu não responderia. Saberíamos. Poderíamos casar… Caio Fernando Abreu.
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